Foto: Izana Pereira
Um dia bonito, um sol ardente.
Um homem a sonhar.
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Foto: Izana Pereira
Mal sabia ela que tudo mudaria, e mudaria cedo. O dia amanheceu em silêncio e o silêncio a entristecia; olhou pela janela e não viu o gado a andar pelo quintal, saiu e viu urubus a voar sobre duas carcaças estiradas; os dois últimos bois que iriam vender morreram no meio da noite. Assim começou a seqüência de desgraças em sua vida - começou porque a seca para os sertanejos não é desgraça, é uma condição que aprendem a aceitar desde criança.
Os alimentos começaram a acabar, as crianças famintas, choravam constantemente, e fracas contraiam doenças. A situação piorava, não chovia, mas contavam com a ajuda de vizinhos – a solidariedade entre os sertanejos, quase sempre isolados do resto do país, é constante. Mesmo assim aquele foi um dos piores anos de sua vida, a morte lhe roubou três irmãos, todos levados pela mesma enfermidade que ninguém sabia o que era, e a enfermeira-chefe do posto de saúde diagnosticou como: “um certo tipo de virose.”
No ano seguinte alimentou a esperança de que tudo ia melhorar – mas estava errada. Foi obrigada a mandar os dois irmãos mais novos com um casal de viajantes que demonstrou interesse neles. Aquilo doeu muito, mas a família precisava se alimentar, e o casal deu um pouco de dinheiro em agradecimento pela aquisição. E, além disso, acreditavam que as crianças – doadas – teriam a chance de ter uma vida melhor.
Agora eram três: Maria, seu irmão Umberto e a mãe, ali sempre à espera de seu pai. Umberto estava ficando rapaz e quando voltava da fazenda onde trabalhava curtindo couro, a ajudava no trabalho doméstico. Assim viveram um tempo, esperando tudo mudar novamente – e mudou: a mãe morreu, o umbuzeiro secou, e Maria com medo de ficar sozinha, já que a morte não a levava, casou-se com um rapaz, de nome João que trabalhava junto com Umberto. Viveram assim, até tudo se modificar mais uma vez. Umberto e João perderam o emprego, mas logo foram trabalhar em uma maldita carvoaria, onde um tempo depois, morreram com os pulmões infectados daquele odioso pó.
Enterrou os dois entre lagrimas. Primeiro Umberto, e depois João – foi a despedida mais dolorosa, porque sabia que agora não teria mais ninguém. Naquele dia choveu; parecia que o mundo chorava com ela. A chuva surpreendentemente a fez sofrer, a fez lembrar de toda sua jornada de aflição.
Estava só. Sozinha, no seio da seca. Mesmo assim acreditava que a vida não é tão ruim ou pelo menos não nos fere o tempo todo.
Agora do alto de um pau-de-arara, ela refaz os caminhos do pai em busca de um novo começo. Olhando as estrelas, e a lua cheia, se enche de coragem novamente. Alimenta mais uma vez a esperança de uma vida melhor, e junto dos outros sertanejos, crê que na nova cidade encontrará o caminho para uma vida mais digna.
Tão pouco, menina. Tão cedo, mulher. Sempre Maria – sempre mar de sofrimento - Maria do sertão. Não sabe de seu futuro, não sabe por ande anda, e anda de pé no chão.
Por Izana Pereira
Não tenho mais o brilho nos olhos de quando te conheci. Não tenho mais paz, a paz de estar contigo. No espelho me vejo e não me reconheço. A esperança hoje dá lugar a angustia, e carrego no peito a dor da tua perda. Ando pela praia como costumávamos fazer, mas as tardes agora são tristes; sem você tudo é triste, frio e sem graça.
Os dias são longos e tudo me lembra você: às 18h, ainda me pegam no portão a tua espera, mas você não chega; o vazio no quarto aumenta a falta da tua companhia e me lembra os doces momentos que passamos juntos.
Tudo que eu amava hoje me faz sofrer; olho as flores e sinto tão forte a tua presença, tão intenso era o perfume dos lírios que me dava como pedido de desculpa – após as nossas brigas eles estavam lá, quase sempre acompanhados de um bom vinho e um bilhete onde pedia perdão.
Não consigo mais viver, não posso mais dormir, pois os fantasmas da tua morte rondam a todo o momento o meu ser. Ando a sombra da culpa pela sua perda, e as imagens daquele oito de dezembro não saem mais de mim. O teu ciúme, a nossa discussão, a tua saída de carro, tenso, nervoso; e depois o telefonema que mudaria a minha vida, me dizendo que eu tinha perdido a tua.
Existem momentos que não acredito que te perdi, existem momentos que ainda estou à espera dos lírios, mas quando me dou conta de que tua perda é real, desejo estar entre os lírios, para poder enfim estar novamente perto de ti.
Marcela Costa, 20 de outubro de 2005.